Crítica

The Batman | O brilhantismo no mundo decadente de Matt Reeves

  Pedro Prado

O longa dirigido por Matt Reeves têm caído na graça do público e do mercado, por apresentar com excelência uma alternativa autoral à filmes de herói.
Batman e Mulher-Gato em foto do fillme 'The Batman'
Desde meados de 2019, o projeto intitulado como ‘The Batman’ já carregava inúmeras polêmicas em seu desenvolvimento com a saída conturbada de Ben Affleck, somado ao fracasso comercial da primeira versão da Liga da Justiça, entre outros acontecimentos. Mas a principal delas, nesse caso, foi a escolha de Robert Pattinson (Cosmopolis, O Farol, Bom Comportamento), que desagradou boa parte daqueles que se denominam “fãs” do personagem — mais especificamente homens de meia idade, que agem como uma espécie de milícia digital por não terem seus anseios e delírios de um suposto mundo ideal representado nas telas. Essa reação, declaradamente conservadora, se apoiava no histórico do protagonista na antiga saga vampiresca ‘Crepúsculo’, que catapultou à fama do ator, mas também o assombrou por muito tempo. Hoje em dia, em suas próprias palavras, deixou de ser algo ‘cool’ destilar ódio sobre uma franquia que possuía até mesmo seus méritos cinematográficos.

Seguindo a ideia da Warner Bros de desenvolver uma nova e, mais autoral, franquia do Morcego, o nome de Matt Reeves foi o favorito para fazer o projeto virar realidade. O diretor que já era reconhecido pelo surpreendente ‘Cloverfield’ (2008), e pelo prestígio da trilogia Planeta dos Macacos, acabou se consagrando pela excelência que sempre fez com que seus trabalhos tivessem destaque em meio a inúmeros projetos de Hollywood onde, corriqueiramente, a autoria criativa é colocada em segundo plano em função dos interesses comerciais em cima dos filmes lançados.
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E, nesse sentido, a própria escolha de Pattinson como protagonista da franquia já escancara que, desde o princípio, o intuito foi desenvolver algo que pudesse levar o personagem para fora da zona de conforto na qual o próprio estúdio se colocou por algum tempo. Para quem conhece a filmografia do ator, não é surpresa que ele tenha se afirmado como um dos maiores e melhores de sua profissão nos últimos anos. Dessa vez, dando vida a um Bruce Wayne ‘’grunge’’, traumatizado por uma história trágica que o coloca por baixo da presença impiedosa e obstinada de um Batman — ainda cru — que está determinado em mudar Gotham City, por mais descrente que ele seja da própria missão.

Essa construção do personagem é potencializada no decorrer do filme por uma fotografia que capta todas as nuances de Pattinson em planos muito bem utilizados, seja nos ‘close ups’ de seus olhares frios e sedentos por ‘justiça’, ou em planos mais abertos que evidenciam a presença imponente que dá origem a todo o medo sentido por aqueles que perturbam a ordem da cidade. Deixando claro que ainda não existe uma distinção muito clara sobre onde começa o Batman e onde termina o jovem magnata Bruce Wayne, e qual o papel dessas duas figuras em Gotham City, cidade que foi explorada ao máximo por Matt Reeves.
Robert Pattinson como 'Bruce Wayne' no filme The Batman
Medo, perigo, descrença, corrupção e uma porção de outros elementos são explorados através do poder da imagem para construir a atmosfera de um Estado em decadência que a todo momento aparenta estar à beira do colapso. Reeves e Greig Fraser optam por captar as cenas com câmeras como a ALEXA LF, que o diretor de fotografia já utilizou em outros projetos como The Mandalorian e Rogue One onde, somado a uma estrutura chamada Volume, que nada mais é do que uma parede de vídeo côncava composta por 1.326 telas de LED, envolvendo o cenário com fundos digitais fotorrealistas do que seria Gotham.

Fazendo com que não seja necessário o uso do famoso fundo verde ou Chroma Key, para tornar ainda mais viva a representação de uma cidade decrépita que parece engolir aqueles que ali vivem. O uso dessas câmeras com lentes anamórficas causam esse efeito de desfoque que evidenciam ainda mais a presença daqueles que estão em cena, criando um amplo campo de visão que é muito agradável para quem assiste. Além de brincar com a noção de tempo do público, pois, mesmo se passando em dias atuais, o tratamento mais “sujo” da imagem deixa a impressão de uma cidade que facilmente poderia ser ambientada nos anos 80 ou 90. Mais um artifício que só reforça o sentimento de atraso do desenvolvimento social e descaso de Gotham. 
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Mesmo explorando essa atmosfera dentro de uma realidade tangível, que facilita por parte do público a criação de um vínculo mais intenso com a história e com os personagens envolvidos, Matt Reeves não se limita ao que pode ser considerado como “realista” e parte em busca de explorar os mitos e fábulas que fazem com que Gotham seja praticamente um antro gótico e surreal. Um grande exemplo disso é o Batmóvel que é, por motivos óbvios, um objeto de grande expectativa dentro da trama.

Mas boa parte desse furor acaba se renunciando ao design do automóvel em outras adaptações. Enquanto aqui, por mais mundano que o supercarro do morcego seja — inspirado em clássicos ‘Muscle Cars’ estadunidenses da década de 70 — existe uma presença, quase que demoníaca sobre o automóvel, que é capaz de rasgar o trânsito em alta velocidade, enquanto destroça o concreto e se mantém intacto mesmo que engolido por chamas. Dando uma identidade muito própria ao longa, através de uma sobreposição entre o real e o surreal.
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Junto a todo o poder de imagem que Reeves faz uso, a trilha sonora de Michael Giacchino é parte fundamental para compor toda a estética necessária para dar vida a esse universo. Se o público é apresentado a um Bruce Wayne ‘grunge’ com forte inspiração no músico Kurt Cobain, ‘Something in the way’ do Nirvana se encaixa perfeitamente na jornada de uma figura perdida no próprio estrelato, sem saber exatamente seu papel naquela grande narrativa. Seguindo essa ideia, o trabalho de Giacchino possui diversas faces, navegando radicalmente pelo mistério, terror e tensão. Destaque para a faixa principal do vigilante que, se observada de perto, aproxima-se de uma marcha fúnebre que muito se assemelha a outras já tão conhecidas da cultura pop como a ‘Marcha Imperial’ de Star Wars.

Acompanhando o brilhantismo de Pattinson, o elenco de apoio que reúne Andy Serkis, Jeffrey Wright, Zoë Kravitz, Colin Farrell, John Turturro e Paul Dano são pilares que representam de forma física diferentes aspectos de Gotham. Acabam funcionando como entidades que apresentam as diversas facetas desse mundo. Por mais que sua passagem seja breve, Serkis apresenta um Alfred que vai um pouco mais distante da figura do bom mordomo paternal. Seguido de Jeffrey Wright, que funciona praticamente como uma dupla para o Batman, gerando uma dinâmica de parceria muito familiar do cinema noir de investigação.
Robert Pattinson e Jeffrey Wright como Batman e James Gordon

Ainda nessa linha, Zoë Kravitz é a grande femme fatale da história, adicionando camadas de romance e tensão sexual que fazem um contraponto muito bem-vindo à toda trama considerada “bruta”. Da mesmo forma que John Turturro possui uma presença quase que magnética como o mafioso Carmine Falcone. Enquanto, mais afastado do núcleo urbano, Paul Dano não entrega nada muito fora do seu esperado, por mais excelente que isso seja, dado seu histórico com esse tipo de personagem.

Essa escalação por mais óbvia que soe é a evidência perfeita de que, mesmo dentro de uma história ou situação que já foi reproduzida algumas vezes, Matt Reeves é capaz de encontrar a sua forma única de contar uma história, mesmo que a montagem do filme acabe resultando em uma longa duração que pode não agradar a todos. 
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Considerando toda experiência proporcionada pelo longa, o diretor reafirma sua vasta bagagem como um autor no audiovisual, ao mesmo tempo que apresenta com brilhantismo ao público e ao mercado que histórias, por mais batidas que sejam, sempre possuem novas possibilidades ao serem contadas.

Se por um lado, parte dessa indústria acredita que é necessário investir em um grande modelo de histórias que se conectam ao longo dos anos, Matt Reeves apresenta uma alternativa que, ao longo prazo, parece ser muito mais memorável. Ciente de que se encontra em um mundo decadente, o filme, sendo pessimista na maioria de seus momentos, acaba sendo uma grande vela em meio à escuridão que esconde as boas histórias.    
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